João sai de carro do bairro Bairu
para trabalhar. Com ele está sua esposa e sua filha. Ele pega a avenida Rio
Branco e desce a garganta em sentido ao centro da cidade. É aniversário da
pequena Jéssica e ele pretende comprar um presente para ela antes de chegar ao
escritório e por isso acelera um pouco mais.
Ele para o carro no semáforo do
parque Halfeld para que sua mulher desça. Ele dá um beijo tímido de despedida
porque o sinal já vai abrir. Agora ficam só os dois no carro, João e a pequena
Jéssica, que não para de pular e gritar cheia de alegria “hoje é meu
aniversário!”. Pai que é pai não pode decepcionar um filho numa hora dessas,
pensa João, e acelera mais e para o carro em frente ao colégio Jesuítas.
Jéssica dá um abraço bem apertado no pai e desce pulando de alegria pela
avenida Itamar Franco.
Antes de ir ao escritório João deixa
o carro no estacionamento da rua Batista de Oliveira e vai ao calçadão da rua
Halfeld para comprar o tão desejado presente para sua filha. Ele entra nas
Lojas Americanas, onde tem um homem grande e gordo que não para de gritar no
microfone e compra uma boneca grande e loura que fala várias frases feitas. Na
volta ele se lembra que tem reunião e que está atrasado. João entra no carro,
deixa o dinheiro do troco no estacionamento e pega a rua Santa Rita e novamente
entra na Rio Branco.
O trânsito não está cooperando com
João. O engarrafamento se estende por toda avenida. Um transeunte que passava
na calçada disse que é por causa de um caminhão que ficou preso no mergulhão.
João pega o celular e liga para seu chefe para avisar que vai se atrasar. O
patrão dá aquele esporro em João, que não contente começa a dar socos no
volante e a buzinar; e a cada vez que o carro da frente dava uma arrancada, ele
acelerava mais do que o necessário e parava colado na traseira do veículo, até
que uma hora ele não conseguiu frear a tempo e bateu, amassando toda a frente
de seu carro e o porta malas do carro da frente.
Os dois motoristas descem dos
veículos e começam um diálogo nada amigável:
“O seu Zé Apressadinho, tá pensando
que vai passar por cima de todo mundo?!” – disse o sujeito magro, marrento e de
bigode ralo do Chevette que João bateu. Ele era bem menor que João, por isso
ele não se intimidou e levantou a voz.
“Vai tomar no seu cu, seu filho da
puta. Tira essa merda da frente que eu tô atrasado!”
O
sujeito do Chevette não agradou do tom de voz de João e partiu pra cima dele.
Os dois começaram uma briga em plena avenida Rio Branco. João sabia jiu-jitsu e
por isso levou a luta para o chão. Ele não cessava de bater a cara do sujeito
de bigodes ralos no asfalto, mas, de repente, ouve-se um estalo e João fica
imóvel. O sujeito marrento se livra dos braços de João e corre mancando para
seu Chevette com a ajuda de seu amigo que estava no banco do carona e que
acertou um tiro de 38 nas costas do “Zé Apressadinho”. Eles saem cantando pneu
e tomam a pista de ônibus e somem das vistas de todos.
As pessoas ligaram para ambulância
que o levaram para o HPS. No hospital, João reuniu todas suas forças e deu seu
celular com o número do telefone de sua mulher para a enfermeira ligar. Mas
quando ela chegou no lugar João já havia morrido.
E naquela noite a pequena Jéssica
ficou triste porque seu pai teve que fazer uma viagem de urgência e não pôde
vir no seu aniversário, mas que a apesar de tudo ele comprara seu presente,
conforme sua mãe o entregou. Ela brincou a noite inteira com seu novo brinquedo
com suas amiguinhas e na hora de apagar as velinhas ela desejou que seu pai
nunca mais tivesse que fazer essas viagens de última hora. E quando o cansaço
bateu, Jéssica foi dormir com a certeza de que seu desejo seria realizado.